INCÊNDIOS, LABAREDAS E DEMISSÕES

terça-feira, 4 de julho de 2017
Os jornalistas e os habituais fazedores de opinião agarram o episódio do incêndio de Pedrógão Grande como gato que vai a bofe. Enquanto permitir sound bytes, o tema dá muito jeito, mesmo que não se saia da análise superficial, da conjectura ou da conclusão precipitada. 
Os dois partidos da oposição surfam a mesma onda de ocasião, regalados com a oportunidade de queimar o governo numa labareda inesperadamente oferecida de bandeja pela mãe natureza. Afinal, o tal “diabo” não veio quando invocado, ou desejado, mas numa tarde escaldante de sábado, vomitando fogo em todas as direcções, em voo picado sobre as nossas florestas de pinheiro e eucalipto. Chame-se-lhe downburst ou o que se quiser.
A jornalista Judite de Sousa apresentou-se no palco dos acontecimentos e, com pompa e circunstância, escolheu os cenários de reportagem que lhe interessavam, um deles de muito mau gosto. Encontrou no local a ministra do interior em fato de combate, envergando calças de ganga e colete do Serviço Nacional de Protecção Civil, despenteada e desmaquilhada. Talvez escandalizada com o ar descomposto da governante, ou desconfiando que ela tivesse tido um encontro secreto com Hefesto, o deus do fogo helénico, a jornalista não se conteve e disparou-lhe a pergunta ígnea: “a senhora ministra vai apresentar a sua demissão?”
Incêndios fora dos cânones normais, ira divina ou acção de Belzebu, alguns jornalistas da nossa praça e os dois partidos da oposição não vêem outra saída para aplacar a sanha maligna senão queimar a ministra no rescaldo do brasido. A deputada presidente do CDS, na última sessão parlamentar, foi das mais empolgadas a sugerir a demissão de alguém, pois claro… da ministra. Pronunciava as palavras com acentuada ênfase, esticando os lábios em canudo para deixar sair sibilina a sentença prematura: responsabilidade políiiitica! Responsabilidade políiiitica!
Sim, responsabilidade política, pressupondo incompetência, inaptidão, dolo ou incúria da titular da pasta da administração interna. Claro que a deputada do CDS tem todo o direito de o exigir alto e bom som.
Vai daí, cheio de dúvidas, fui ao Google pesquisar sobre esta ministra, saber se debaixo do seu ar angelical, da sua sensibilidade feminina e da sua frágil aparência física, se esconde alguém com o sortilégio da malignidade. Sim, ela poderia em vésperas da época de incêndios ter suprimido meios ao Serviço Nacional de Protecção Civil, cortado irresponsavelmente nos efectivos das corporações de Bombeiros e da GNR, ou mandado desaparelhar o agora posto em causa SIRESP (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal). Ou mesmo baralhado as meninges dos “comandantes” da Protecção Civil. O Wikipédia disse-me então que ela é licenciada pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, doutorada em Direito Europeu pela Faculdade de Direito da Universidade do Sarre, Alemanha, e que foi professora de Direito da Universidade Autónoma de Lisboa e do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna. De 2006 a 2012, foi conselheira e coordenadora da Unidade Justiça e Assuntos Internos (JAI) da Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER). Durante seis anos chefiou a delegação portuguesa ao Comité Estratégico de migração, Fronteiras e Asilo (CEIFA) da União Europeia, e foi membro da delegação portuguesa no COSI (Comité Permanente de Segurança Interna) e Grupo de Trabalho de Alto Nível sobre Asilo e Migração, entre outras estruturas do Conselho da UE. No segundo semestre de 2007, durante a presidência portuguesa do Conselho da UE, presidiu ao CEIFA e a reuniões de Conselheiros JAI, dirigindo negociações sobre vários dossiers no seio do Conselho e com a Comissão e o Parlamento Europeu, como a Directiva de Retorno, o Regulamento do Código de Vistos, as Parcerias para a Mobilidade, os acordos de facilitação de vistos com os países dos Balcãs Ocidentais e a Ucrânia, entre outros.
De facto, vê-se que Constança Urbano de Sousa possui um invejável currículo académico e um registo de desempenhos de alto nível em funções de Estado, como poucos têm, sejam os jornalistas de pacotilha ou os políticos de verbo jactante e ridículas poses teatrais ensaiadas nos proscénios partidários. Sim, ela não é desses “boys”, ou “girls”, alçapremados a cargos políticos sem se saber como e porquê.
Ela tem um trajecto profissional que a recomenda especialmente, sem favor nenhum, para o cargo que exerce. Mas tem um handicap. Falta-lhe voz grossa e ar másculo para mandar em polícias e bombeiros. E nós, latinos, talvez tenhamos dificuldade em aceitar isso.
Quanto a responsabilidades políticas pela saga destruidora e assassina dos fogos florestais, o que existe efectivamente é um conglomerado de acções e inacções em que as nossas limitações e indecisões se dão as mãos com a imprevidência, o erro e o desleixo, com uma transversalidade e reciprocidade de efeitos em que ninguém está isento de culpas. Recuemos no tempo, décadas atrás, e cada um, político, bombeiro, polícia
ou cidadão comum, que escolha a responsabilidade que lhe cabe. Tudo o resto é show off político.
Tomar, 2 de Julho de 2017

Adriano Miranda Lima

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