PITONISAS DA NOSSA ECONOMIA

domingo, 30 de outubro de 2016

Quem assiste, todas as semanas, no canal TVI 24, às dissertações de um conhecido analista do estado da economia e das finanças de Portugal, tende a dar-lhe razão dentro do princípio de que 2+2=4. A matemática elementar, sustentando gráficos e valores numéricos repetidos ad nauseam, ano após ano, parece a única matriz do seu conceito. Mas se o segredo do sucesso se resumisse a esse instrumento de análise, qualquer economista licenciado com 10 valores teria capacidade para governar o sector. O axioma só não surte efeito porque, no dizer do analista, temos sido governados por “criminosos loucos”. Estes seguramente que não desconhecem a matemática, mas a ilustre figura deve supor que, ungidos pelo diabo, têm o sortilégio de subverter a soma de 2 + 2 para valores estranhos e distorsivos.
     Não é preciso muito esforço para perceber a insinuação mal disfarçada: as nossas dificuldades financeiras se devem às liberdades cívicas do regime democrático. É particularmente sobre esta II República que ele descarrega a sua verrina quando fala de “criminosos loucos”. E é implícito que absolve das malfeitorias nacionais o ditador Salazar, que soube destronar os “criminosos loucos” do seu tempo para que as contas públicas se reconciliassem com a normalidade tranquila da matemática. Mas para protegê-la com grades de ferro Salazar teve de suprimir a oposição, de domesticar o parlamento, de extinguir a liberdade de opinião, de acabar com os sindicatos, de criar uma polícia política, de construir uma colónia penal em Cabo Verde. Nada mais simples, e só os “criminosos loucos” é que não se lembraram nem se lembram do Ovo de Colombo descoberto por Salazar. Com aquele governante, as contas foram postas no seu devido lugar e o país entrou numa era de paz… de cemitério: sem progresso material, sem infra-estruturas, sem indústrias evoluídas, sem promoção da instrução, sem segurança social, sem protecção à infância e à velhice.

     Bastou o retorno da democracia em 1974 para que as nossas contas se descontrolassem, tudo por culpa dos “excessos revolucionários” cometidos, como sentencia o analista e, obviamente, merecendo aqui a nossa concordância. Só que aqueles “excessos” tiveram a virtude de instituir o direito de todos os portugueses à segurança social, à saúde, ao ensino e à cultura, eliminando ou atenuando a gravidade de situações de abjecta e confrangedora pobreza.

    Posto isto, começa a desenhar-se no espírito do leitor a sugestão de que a economia será algo muito complexo nos seus meandros para se poder consertar com duas marteladas de matemática. Sim, a economia não é uma ciência exacta. Ramo das ciências sociais, depende, como tal, de variáveis que não é fácil quantificar e por vezes até identificar com linear clareza. São do domínio do comportamento humano e social, onde a imprevisibilidade e a incerteza são de tal grau que muitas vezes conseguem deitar por terra as estimativas e previsões mais sofisticadamente calculadas. Mais ainda porque aquelas variáveis são normalmente interdependentes, obnubilando a percepção da sua complexidade, não só por interferência de fenómenos sociais internos como de dinâmicas exteriores não controláveis pelos governos.

     Contudo, a pessoa em causa não é o nosso único oráculo nesta delicada e difícil matéria. O canal SIC tem outro senhor de certezas inabaláveis e irrevogáveis. Estes dois são os de maior visibilidade porque desde há anos vêm usufruindo de um exclusivo privilégio nos respectivos espaços mediáticos, sem terem contraditório que se veja. Um foi ministro durante ano e meio e o que consta de mais saliente na sua governação foi ter negociado um empréstimo aos EUA, por culpa de anteriores “criminosos loucos”, cuja concessão exigiria a primeira intervenção do FMI no país. No entanto, enquanto ministro ele não fez escola nem deixou, que se conheça, qualquer receita infalível para o sector. O outro é apenas jornalista, com licenciatura em economia, nunca tendo exercido qualquer cargo público ou privado que assinale os seus méritos e constitua background da ciência virtual que amiúde despeja no canal televisivo que lhe dá guarida.

     Direi que são ambos as principais pitonisas da nossa economia, de entre outras menos notadas e de mais esparsa intervenção. Por que não são chamadas a salvar a pátria estas pessoas que se mostram tão compenetradas dos seus argumentos, tão cientes da infalibilidade dos seus cálculos, dos seus juízos e dos seus prognósticos? Bem, admito que não desejarão qualquer prova real das suas capacidades, a não ser com uma hipotética supressão da democracia, pois caso contrário teriam de se confrontar com as mesmas adversidades e condicionalismos por que passaram ministros de alto gabarito académico e grande traquejo como Sousa Franco, Silva Lopes, Vítor Constâncio, Miguel Cadilhe, Hernâni Lopes, Jacinto Nunes e outros. Ou será que estes merecem ser mimoseados com o tratamento de “criminosos loucos”?

     Chegado aqui, o leitor terá já intuído ou deduzido que o problema das nossas contas públicas poderá ter, na verdade, alguma relação com a nossa idiossincrasia. Isto é, com a falta de apuro da nossa consciência colectiva para fortalecer a unidade em torno dos grandes objectivos nacionais. Esta é, aliás, a face visível da nossa dificuldade em maximizar as virtudes da democracia, de modo a que ela se torne facilitadora de consensos e maiorias políticas e extirpe à nascença fenómenos (corrupção e evasão fiscal, por exemplo) que corroem a saúde do organismo nacional. As pitonisas em causa certamente que não ignoram o fundo sociológico do problema, mas preferem fazer vista grossa e entreter o pagode com a superficialidade das suas análises.

     Claro que despedir a democracia para viabilizar a resolução dos nossos problemas não deve passar seriamente pela cabeça de ninguém, nem mesmo das pitonisas. Por isso é que lhes fica mal passar a imagem de que são virgens impolutas ou mentes luminosas, enquanto subliminarmente crucificam e execram quem ousa assumir a governação. Tanto mais que as suas análises e conjecturas podem ajudar a dona de casa ou o merceeiro da nossa rua, mas de pouco servem para o esclarecimento da complexidade da ciência económica. Bem se diz que a economia é algo sério demais para ser deixado só aos economistas.

 

Tomar, 17 de Outubro de 2016

 

Adriano Miranda Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sobre o antigo Jornal «O Manduco»

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

( Agosto de 1923 a Junho de 1924)

A iniciativa  concretizada em boa hora, pela editora da Livraria «Pedro Cardoso» em dar à estampa uma edição “fac-símile” dos números do referido jornal; foi a todos os títulos louvável, pois  que veio não só dignificar o nome do  patrono que carrega, mas também, dar a conhecer de forma mais acessível a leitores interessados, parte da obra, por Pedro Cardoso deixada. Com efeito, o leitor tem assim  conhecimento e  registo histórico, muito importante, de um certo jornalismo que se fazia nos inícios do século XX,  nestas ilhas. No caso de «O Manduco», jornalismo com algum carácter regional, local, uma vez que partia da ilha do Fogo.
Trata-se aliás, de um  periódico impresso com uma feição muito singular feito um pouco à  imagem e à semelhança do perfil do seu fundador, dono e primeiro director, Pedro Monteiro Cardoso. Interessante é que ele logo no primeiro número como mandavam as normas, faz a apresentação  do seu jornal de uma forma original é certa, mas muito pouco ortodoxa. Aqui vão excertos do editorial do 1º número: “ Apresentando-se. Em nome de Deus...
É praxe dar-se, no 1º número de qualquer folha política ou literária, a razão do seu aparecimento.
A nós porém, aborrecem-nos as praxes.
De mais, este mensário é propriedade exclusivamente nossa.
Não nos consideramos pois, obrigados a dizer os motivos determinantes da sua publicação.
Que o comprem, que o assinem e o paguem adiantadamente, aqueles que porventura os deseje conhecer. Que do referido contexto se inferem, quando expressamente se não declarem. Dizer isto não será ainda programatizar?
 Talvez. No entanto assinar e pagar adiantadamente é o que convém. (...)
 (...) Oh! Como é doce sonhar! Praza a Deus que vos tome, caboverdianos, o vício de ler, não por empréstimo mas somente pagando-o. Amén!
 Todo o editorial se apresenta nesse tom, ora irónico, ora censurando os vícios do “grogue” e das “funçanatas” em que se deleita o putativo leitor, ao invés de comprar «O Manduco» e cultivar-se na sua leitura.
Portanto, ao «O Manduco»  liga-se um nome sonante da poesia e do folclore cabo-verdianos, Pedro Cardoso. Nome que se confundia com a própria ilha que o viu nascer. Acrescentaria por graça, que só não se chama ao Fogo a ilha de Pedro Cardoso, porque o vulcão é mais “roncador”. E, por isso, tomou-lhe lugar. Sim, porque em matéria de desaforo e quanto a bradar  altissonantemente as suas crenças, os seus amores, os seus desamores e os seus combates, quer em poesia, quer em prosa, creio que P. Cardoso não se coíbia muito e não ficava muito atrás do vulcão, metaforicamente falando, claro.  Um pequeno aparte: certamente que alguns  conhecem o célebre poema em crioulo «Djarfogo» deste poeta em que à boa maneira camoniana se confunde o “amador com a coisa amada” Djarfogo /Fogo é nha nome botismo, / é Fogo laba burcam, / é Fogo sangue na beia,/ é Fogo amor na coraçan. // Um dia na mei de mar, / m' labanta na luz de sol, / nha serra botom fitchado, / desdobra el abri um frol, / m' nece ja cu nha destino, / nhas fidjus un cria's assim: / ali o pa tudo mundo, / peto bronze, / alma cetim   / Fogo é nha nome botismo, / nha graca ama nha bençom, / Fogo corage na peto, / Fogo manduco na mon.”Pedro Cardoso, in:  É mi que lha'r Fogo (1941). Para o leitor não falante do crioulo de Cabo Verde (no caso, a variante da ilha do Fogo) aqui vai uma tradução aproximada ao português: “Fogo é o meu nome de baptismo / Fogo é ser lava do vulcão / Fogo é o sangue que corre na veia / Fogo é ter amor no coração / Um dia no meio do mar / alevantei-me à luz do sol / Vi a minha serra qual botão fechado / desdobrar-se e abrir-se em flor / assim nasci já com o meu destino / assim criei os meus filhos / aqui e em todo o mundo / peito de bronze / alma de cetim / Fogo é o meu nome de baptismo / É a minha graça e a minha bênção / Fogo coragem no peito / Fogo manduco na mão”
Ora bem, o poema para além de realçar em linhas metafóricas, a orografia da ilha, a idiossincrasia das suas gentes, o poeta antropomorfiza a ilha, fazendo-a “falar” na primeira pessoa. É igualmente, um bom exemplo de fusão do poeta, com a sua ilha. Claro que se percebe que a versão original foi escrita para ser dita ou lida em  voz altissonante e com muita força emotiva. O interessante  é que mais uma vez a imagem do “manduco” cara e reiterada pelo poeta, simboliza e singulariza a ilha do vulcão.
Feche-se este aparte e voltemos ao jornalismo da época  de Pedro Cardoso.

Para além do mais, através do «Manduco», espreita-se também um tipo de jornalismo praticado e nobilitado pela pena dos intelectuais cabo-verdianos do início do século passado. E aqui estamos já a falar de textos jornalísticos elaborados com o saber e a pena culta, dos seus autores, porque são homens de e da cultura que os elaboraram para os jornais onde colaboravam. Mas não vá sem dizer que estes jornalistas literatos, Pedro Cardoso, Eugénio Tavares e José Lopes manejam com à-vontade nos seus textos, o intertexto - porque os conhecem bem - dos escritores, poetas portugueses, clássicos, românticos e realistas. Para exemplo,  na poesia lírica adoptam como patronos, Camões e João de Deus; já o modelo e o modo de compor os sonetos de assuntos elevados e espirituais é em Antero de Quental que buscam o padrão; como modelo de poeta anti-clerical, protestatário e combativo é Guerra Junqueiro; e finalmente, o exemplo a seguir de Historiador probo e sério,  é Alexandre Herculano. Outro vulto frequentemente, por eles citado é Victor Hugo da Literatura francesa. Basta ler os números de «Manduco» para disso se aperceber. 
No jornalismo do passado das ilhas, encontrámos  personalidades e nomes que nele se destacaram. Referirei  apenas alguns, para exemplo: Luís Medina, Luís Loff,  Eugénio Tavares, José Lopes, Pedro Corsino Lopes, Abílio Macedo, José Barbosa, J. Calasans, João Gomes Barbosa, Mário Pinto, César M. Barbosa, entre outros.
Uma observação: neste rol de nomes ilustres mencionados incluí a maior parte daqueles, cuja colaboração «O Manduco» regista  e que pode ser confirmada pela vossa leitura dos números publicados.

Mas antes de prosseguir, e porque nada acontece ao acaso, haverá sempre um contexto histórico a enquadrar. Com efeito, e fazendo rapidamente um pouco de história, em retrospectiva, verificámos que a liberalização da imprensa portuguesa que já vinha acontecendo a partir do último quartel do século XIX como resultado de toda uma legislação de matriz liberalizante, especificamente a ela destinada, teve como efeito mais imediato, um surto de vários jornais em Portugal, a maior parte de expressão combativa e política. O interessante é que se verificou também aqui no arquipélago, mais ou menos na mesma altura, e com especial realce para a cidade da Praia, uma relativa “abundância”, se assim me é permitido expressar, de periódicos e de jornais, com a mesma feição dos congéneres portugueses.
Com efeito, em Cabo Verde, seguiu-se com entusiasmo, e através de alguns jornais portugueses, as lutas Liberais que em Portugal se travavam. Pois que o ideal liberal pugnava pela defesa do desenvolvimento do país e, por arrastamento também o das suas colónias. Mas o realce era o da liberalização de leis para vários sectores. 
Ora bem, nessa senda, e a partir de 1877, os nossos publicistas, periodistas e editores, a maior parte homens letrados e pertencentes, muitos deles, às elites das ilhas, entusiasmados com o caso da então metrópole, fundam - também aqui e  na cidade da Praia, sobretudo - jornais para a defesa dos interesses da colónia. Assim tivemos os jornais:  INDEPENDENTE,  CORREIO de CABO VERDE, semanários noticioso, literário e político; ECHO de CABO VERDE, jornal político e noticioso;  A IMPRENSA, semanário político e noticioso; A JUSTIÇA, O PROTESTO, quinzenários políticos; O POVO PRAIENSE, e O PRAIENSE, entre outros. Igualmente quase todos de pouca duração por motivos vários entendíveis, dos quais sobressai o problema financeiro para a sua manutenção e circulação.
De certa forma, este período pode ser considerado como tendo sido fecundo, porque também iniciático de um jornalismo com aspectos já autonomizados em matéria  opinativa e política do cabo-verdiano.
Abreviando, mais tarde, chegados ao século XX e com o advento e a implantação do regime republicano (1910) novas leis, mais democráticas e de maior alcance para a imprensa, são produzidas em Portugal - veja-se e leia-se o cabeçalho de «O Manduco» que traz destacada a seguinte inscrição: “Da Constituição Portuguesa (artigo 3º, nº 13) «A expressão do pensamento, seja qual fôr a sua forma, é completamente livre, sem dependência de caução, censura ou autorização prévia, mas o abuso deste direito é punível, nos casos e pela forma que a lei determinar». Tudo isso permitiu um renascer esperanças nos republicanos cabo-verdianos, que os havia aqui também e de boa cepa. Aguardaram ansiosamente  pela sua chegada. Entoaram-lhe loas através dos seus poemas e de outros escritos. Esperavam pelo cumprimento de promessas, de atendimento às graves crises famélicas, à construção de estradas, portos, escolas. Enfim, obras para o desenvolvimento do Arquipélago. Porque  eram eles,  os chamados homens bons das ilhas, que as haviam  reclamado. Então, aproveitando o bom momento histórico que se vivia, os activistas republicanos, os mais novos, muitos deles já com formação académica do Seminário-Liceu de S. Nicolau, retomaram com mais afinco, esta via de combate e de protesto que eram os jornais. E teremos agora um jornalismo mais politizado e até mesmo partidarizado. 
Reparem, que não é por acaso, que alguns dos nomes mais destacados da actividade jornalística cabo-verdiana foram filiados no Partido Republicano, no partido Socialista português, e alguns deles membros activos da maçonaria portuguesa que se expandiu entre as ilhas, com lojas e  com triângulos, organizações maçónicas do Grande Oriente Lusitano. A essas organizações políticas e secretas pertenceram exactamente os dois directores do «Manduco» - Pedro Cardoso e Eugénio Tavares. Outros, embora em menor número, como Abílio Monteiro de Macedo, pertenceram também à Carbonária. Todas elas sociedades secretas de índole republicana.
Vale acrescentar, que de uma maneira geral - raríssimas terão sido as excepções - os intelectuais cabo-verdianos aplaudiram, aderiram à liberdade trazida pelo republicanismo dos primeiros anos e conseguiram efectivar o chamado jornalismo combativo e de opinião com  algum desafogo. Aliás, o artigo de José Lopes inserto no nº 6 é um autêntico testemunho disso para a memória do Arquipélago.
Não é por acaso também, e  isso ficou evidenciado na leitura dos números do Manduco ora compilados que, quer Pedro Cardoso, quer Eugénio Tavares, quer José Lopes e quer ainda, os de mais colaboradores, procuram  louvar todos - Presidentes da República, deputados, ministros, governadores - desde que  tragam como “selo e senha” a marca do regime republicano. Eram sempre bem-vindos,  mesmo que falhassem os objectivos. Até isso lhes era tolerado. 
Abreviando e resumindo:  é neste contexto histórico de algum empolgamento republicano e libertário do espaço português de que Cabo Verde era parte, com liberdade de expressão da imprensa que vigorou (desde a implantação da república em 1910 até à ditadura militar instalada a 28 de Maio de 1926); é neste ambiente, repito, que surgiu e viveu  entre 1923/1924,  o jornal «O Manduco».
Para finalizar, uma nota de louvor à editora, Livraria «Pedro Cardoso», que na pessoa do seu Administrador/gestor Dr. Mário Silva, tem vindo a retirar da sombra e do esquecimento, autores e obras antigas, sempre válidos para a cultura cabo-verdiana, como foi esta edição compilada e “fac-símile” dos 13 números do Jornal «O Manduco».

QUE CAMINHOS SEGUIR PARA TORNAR O MUNDO MELHOR?

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

 
     No passado domingo à tarde, assisti num canal televisivo a uma entrevista do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Questionado, afirmou que o mundo em que vivemos é hoje bem melhor do que o foi no passado, apesar das nossas queixas e lamentações. Pode ser verdade, mas o padrão de avaliação envolve parâmetros de vária natureza e depende do quadrante geográfico de quem o faça. A opinião de um europeu ou americano não será seguramente a mesma de um africano ou asiático.

     Ponto assente, isso obriga-nos a revisitar Alvin Toffler, escritor e jornalista americano (Outubro de 1928 - Junho de 2016), autor do best seller “A Terceira Vaga”, quando afirma que a História da humanidade é feita de sucessivas vagas de mudança operadas pelo processo civilizacional. A primeira vaga foi a Revolução Agrícola, a segunda a Revolução Industrial e a terceira a presente era da informação, da cibernética e da robótica, de que somos hoje beneficiários. Em Abril deste ano, Toffler proferiria uma conferência na Reitoria da Universidade de Lisboa, onde desenvolveu a sua teoria sobre aquilo que designou por Quarta Vaga – Bioeconomia, defendendo que a economia não pode mais desligar-se de práticas que ignorem a sua sustentabilidade numa equilibrada relação com o meio ambiente. Terá sido das últimas intervenções públicas do escritor, que faleceria dois meses depois, em 27 de Junho, aos 87 anos.

     O bem-estar que o homem almeja depende, inapelavelmente, da forma como vive e explora os recursos do planeta, como se organiza e como resolve os seus conflitos. As mudanças civilizacionais foram moldando a percepção do homem sobre os modelos de organização política e social e as formas de exercício do poder político. Na Primeira Vaga, o poder era personificado e exercido autocraticamente ou quanto muito assistido por um conselho. A noção de território e o sentimento de consciência nacional progressivamente foram tomando forma e consolidando-se. Na Segunda Vaga, com a Revolução Industrial e o Iluminismo, surge o Estado-Nação e desde logo o poder ganha formas de maior sofisticação, mediante estruturas jurídicas que orientam e regulam o exercício da soberania e a defesa dos interesses nacionais em confronto com outros povos.

     Hoje, as mudanças determinadas pela Terceira Vaga e a iminência da Quarta Vaga vieram pôr em cheque o modelo das instituições que nos governam desde há séculos tornando-as obsoletas e questionando a sua validade operativa. Embora permaneça o mito das soberanias nacionais, é cada vez mais difícil para um governo tomar decisões com a independência de outrora, sem ter de levar em conta factores exteriores que ganham relevo crescente com o processo de globalização proporcionado pela Terceira Vaga. Talvez seja a razão por que hoje há dificuldade em descortinar líderes de perfis que desejaríamos idênticos aos de um Churchill, de um De Gaulle, de um Roosevelt ou de um Adenauer. Mas estes líderes, transpostos para a nossa época, provavelmente iriam evidenciar as mesmas debilidades e insuficiências que a opinião pública aponta a par e passo aos governantes de hoje. Com efeito, a complexidade dos problemas sociais da actualidade não tem paralelo com o passado. O líder dos estados de direito democráticos não consegue exercer a sua autoridade pessoal sem ser contido pelas constituições ou expedientes jurídicos como as providências cautelares ou pressionado pela opinião pública através dos mais variados meios de comunicação.

     O que é verdade na esfera interna dos estados é particularmente reflexivo nas relações entre os estados e no plano em que se concertam com maior ou menor eficácia as políticas e as estratégias nacionais ou comunitárias. Dentro da União Europeia é cada vez mais nítida a percepção de que as soberanias nacionais se esbatem face às instituições comunitárias e aos desafios da globalização, e isso levanta interrogações, sobretudo nos sectores políticos mais à esquerda. O controlo dos orçamentos e a formatação das principais políticas nacionais obedecem às directrizes e imposições comunitárias. Mas o pensamento futurista de Alvim Toffler leva-nos ainda mais longe fazendo-nos ver que sem uma política mundial devidamente concertada o planeta compromete os seus equilíbrios e pode soçobrar.

     Então, os desafios são inumeráveis sem que as respostas se perfilem por enquanto com a urgência e a clareza desejadas. No seu livro “A Quarta Revolução − A Corrida Global para Reinventar o Estado”, Adrian Wooldridgem e John Micklethwait denunciam a crise da governação do mundo actual e a ineficácia do Estado no Mundo Ocidente, afirmando que é necessário revolucionar o sistema político e apontando caminhos para melhorar o futuro da sociedade humana. É verdade que a globalização trouxe benefícios óbvios ao mundo não obstante reger-se por um viés neoliberal, com os defeitos vários que lhe têm sido apontados, dos quais o mais preocupante é o impacto ecológico negativo em consequência do consumismo desenfreado e da devastação dos recursos naturais. Mas o processo da globalização é imparável e as sociedades humanas têm de se ajustar aos seus impulsos.

     Assim, se os problemas planetários atingem uma dimensão de tal ordem preocupante que não se compadecem mais com a inoperância de estados soberanos fechados em si, incapazes de gerar os melhores consensos no plano internacional, não haverá outra solução senão repensar o seu modelo. Ora, se a economia depende cada vez mais da dinâmica global, é natural que as soberanias tenham de encontrar pontos de convergência em espaços supranacionais onde as decisões políticas se sirvam dos mesmos instrumentos que lograram a agilização e a expansão da economia. A democracia não deixará de ser válida, importante e insubstituível como sistema de governo, mas ela terá de ser transposta eficazmente para as relações internacionais, de par com a diplomacia, aperfeiçoando os seus mecanismos de representatividade, auscultação e sondagem de opiniões, em ordem à melhor concertação de vontades para a melhor solução dos problemas globais.

     Neste processo, a Europa e os Estados Unidos não podem continuar a dar sinais de perderem o pé ante o ressurgimento da Rússia e a emergência das potências asiáticas. Caso contrário, deixará de fazer sentido a opinião de Mario Vargas Llosa quando, ao afirmar que o mundo está melhor, tomava como padrão de referência o Mundo Ocidental.

 

Tomar, 10 de Outubro de 2016

 

Adriano Miranda Lima

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Caro leitor, eis aqui um texto que retirei - com a devida vénia - do «Arrozcatum» “blog” de Zito Azevedo e que vale a pena ler, pois a sentença do Juiz para além de pedagógica, convida a uma reflexão sobre as relações e os valores inter-gerações. Pais/filhos; professores/alunos.

 

“O juiz Eliezer Siqueira de Sousa Junior, da 1ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto, no interior do Sergipe, Brasil, julgou improcedente um pedido de indemnização que um aluno pleiteava contra o professor que lhe tirou o telemóvel na sala de aula.

De acordo com os autos, o educador tomou o telemóvel do aluno, pois este estava a ouvir música com os fones de ouvido durante a aula.

O estudante foi representado por sua mãe, que exigia  reparação por danos morais diante do "sentimento de impotência, revolta, além de um enorme desgaste físico e emocional". Na negativa, o juiz afirmou que "o professor é o indivíduo vocacionado para tirar outro indivíduo das trevas da ignorância, da escuridão, para as luzes do conhecimento, dignificando-o como pessoa que pensa e existe”. O magistrado solidarizou-se com o professor e disse que "ensinar era um sacerdócio e uma recompensa. Hoje, parece um carma".

O juiz Eliezer Siqueira ainda considerou que o aluno violou uma norma do Conselho Municipal de Educação, que impede a utilização de telemóveis durante o horário escolar, além de desobedecer, reiteradamente, às instruções do professor. Ainda considerou não ter havido abalo moral, já que o estudante não utiliza o telemóvel para trabalhar, estudar ou qualquer outra actividade edificante.

E declarou: "Julgar procedente esta demanda, é desferir uma bofetada na reserva moral e educacional deste país, privilegiando a alienação e a contra educação, as novelas, os reality shows, a ostentação, o ‘bullying intelectual', o ócio improdutivo, enfim, toda a massa intelectualmente improdutiva que vem assolando os lares do país, fazendo às vezes de educadores, ensinando falsos valores e implodindo a educação brasileira”.

Por fim, o juiz ainda faz uma homenagem ao professor. "No país que virou as costas para a Educação e que faz apologia ao hedonismo inconsequente, através de tantos expedientes alienantes, reverencio o verdadeiro HERÓI NACIONAL, que enfrenta todas as intempéries para exercer seu ‘múnus’ com altivez de caráter e senso sacerdotal: o Professor."

 

ISTO DEVERIA SER LIDO POR TODOS OS POLÍTICOS, MAGISTRADOS, PROFESSORES, ALUNOS MAL COMPORTADOS E RESPECTIVOS PAPÁS...

(Pesquisa de Adriano M. Lima)



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