A MUDANÇA E O ESPANTALHO DA PERSEGUIÇÃO

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Pode daí não advir mal algum se alguém do PAICV tenha sido nomeado para um cargo dirigente pelo actual governo apoiado pelo MpD não obstante as eleições tenham sido ganhas sob o signo de MUDANÇA. É uma prática que não só não é virgem como constitui até tradição em democracias mais maduras e avançadas partilhar determinados cargos com a oposição de alternância governativa, equilibrando-os, em caso de conselhos de administração, pelo número de administradores e pela distribuição de pelouros. Pessoalmente, estou é mesmo interessado na competência da pessoa para o desempenho da função, sobretudo quando se trata de funções “meramente” técnicas.

A minha posição pessoal apoia-se no facto de presumir, que para funções de forte componente política, nenhum homem intelectualmente sério e honesto com profundo respeito pelo seu pensamento e pelo seu projecto de sociedade aceitaria permanecer no lugar para que tenha sido nomeado ou indigitado pelo governo anterior (mais) pelas suas simpatias políticas ou mesmo militância, isto é, pelas suas convicções ideológicas e confiança política do que (apenas) pela sua competência específica para o desempenho desse cargo; ou, mantendo-se com as suas convicções políticas, aceitar um convite de sentido contrário para execução das mesmas funções. Seria violentar-se, ou, então, o que é pior, fazer o papel de infiltrado ou, como sói dizer-se, de submarino. Contudo, como também se costuma dizer, cada um sabe com que linhas se cose.

O que na realidade, me parece uma posição ao mesmo tempo oportunista e desrespeitosa para a nossa ignorância, é a justificação que se ouve dos dois lados – governo e o nomeado – para esta “promíscua” coabitação.

Do lado do Governo, quando inquiridos pelos seus correligionários mais zelosos, que terão embarcado no voto de mudança, vem uma falaciosa, ingénua ou pueril justificação: “Para termos os votos que tivemos, muitos paicvistas terão votado em nós.” Uma lógica que se poderia aplicar a qualquer governo com maioria absoluta na Assembleia.

Dito dessa forma soa a falso. Ou é ingenuidade, ou configura um menor respeito à nossa ignorância o que não parece ser menos grave. O que sobressai é a hipótese absurda de que todos os eleitores são militantes de partidos, ignorando deliberadamente os “independentes” flutuantes e os novos que se formam ao longo de um mandato e que só exercerão (manifestarão) a sua “simpatia” quando tiverem 18 anos.

Se o MpD não se considera ainda um partido devidamente consolidado, é um problema que se põe aos seus militantes e que não me parece resolver-se com a actual direcção que luta com uma indefinição ou, se calhar, com uma deriva identitária, assente no carácter errático das suas decisões e tomadas de posição políticas.

Mas o PAICV é um partido bem definido que funciona consistentemente de acordo com as suas convicções, estatutos e inquestionável disciplina partidária. É preciso não confundir isto com a existência de eventuais facções ou correntes internas que, respeitando as regras, só enriquece a sua democracia interna. Que ninguém se iluda: estamos no século XXI perante um partido de organização marxista.

E pensar que um, um só militante do PAICV tenha votado na sigla MpD é um exercício, a meu ver, de pura heresia política. Não confundir as eleições legislativas, totalmente partidárias, com as presidenciais!

Façamos um pequeno exercício com as eleições legislativas, exceptuando as primeiras (1991) não pela atipicidade dos resultados – maioria qualificada – mas pelas circunstâncias políticas peculiares que as envolveram e que as tornaram transitórias e redutoras uma vez que a emigração não votava, o que só viria a acontecer graças ao MpD com a Constituição de 1992.

ANO (Legisla-tivas)
Nº de deputados
Nº de Votos
Nº de Eleitores
PAICV
MpD
Outros
MpD
PAICV
 
1996
22
49
1
 
 
 
2001
40
30
2
 
 
 
2006
41
29
2
 
 
 
2011
38
32
2
94 674
117 967
298.567
2016
29
40
3
122 881
86 078
350.388
Média
34
36
2
 
 
 
DP
9
9
1
 
 
 

:

Olhando para o quadro e numa análise grosseira e simplista – muitos outros parâmetros (omissos) cruzados exigiriam um estudo mais cuidadoso – concluímos:  

- A média de deputados de cada um dos partidos, desde a entrada em vigor da actual Constituição, é sensivelmente igual: 34 para o PAICV e 36 para o MpD; o pequeno desvio observado foi provocado pela maioria qualificada de 1996.

- Cada um desses grandes partidos tem garantido um eleitorado fixo correspondente a cerca de 29 (mínimo) deputados, dado que os resultados de 1996 fogem à normalidade (estatística), em democracia – maioria qualificada;

- Os restantes (±)12 deputados uma vez que a média dos pequenos partidos é de 2, serão os verdadeiros campos de acção dos partidos nas campanhas. Este número, não pertence, obviamente, a nenhum dos partidos (ou pertence a todos) e será disputado no terreno dos novos eleitores, mais os eleitores flutuantes sem cores partidárias que votam de acordo com as suas conveniências mais imediatas movidas pela propaganda eleitoral ou por outras causas.

- Nas últimas eleições – 2016 – votaram mais cerca de 52.000 novos eleitores do que nas eleições anteriores (2011);

O MpD ganhou, nestas eleições de 2016 mais cerca de 28.000 votos do que nas eleições anteriores; enquanto o PAICV perdia cerca de 32.000 votos e a UCID somava mais cerca de 6.000 votos. Os ganhos do MpD e da UCID juntos ((±34.000) são superiores à perda do PAICV ((± 32.000).

Concluir linearmente, num universo de 52 mil novos eleitores mais os eleitores sem partido (flutuantes), da transferência de votos do PAICV para o MpD ou que a vitória do MpD é fruto de gente do PAICV que votou no MpD, é, no mínimo, muito precipitado, mau grado se possa admitir o surgimento de um ou outro caso isolado sem qualquer relevância.

Quanto ao argumento dos nomeados que se justificam que estão ao serviço de Cabo Verde, esquecem que todos estão ao serviço de Cabo Verde mesmo os mais humildes servidores e que não é nem pode ser isto que está em causa.

O que suscita forte reflexão é a assumpção, por parte deles (nomeados), das novas orientações, das novas abordagens, em suma, do novo Projecto Político para o desempenho da função. É ainda a MUDANÇA… Como disse um analista político o que é que se pode esperar das mesmas pessoas, nos mesmos lugares com as mesmas leis que o actual Partido político que apoia o Governo rejeitou nas votações parlamentares?

A mim não me repugna ver quadros da oposição em funções dirigentes desde que essas funções sejam eminentemente técnicas e essas pessoas tenham já provas dadas – não amiguismo – da sua competência nessa área. Nesta linha, até posso compreender no aparelho do Governo a função de assessoria (assessores técnicos) em determinados sectores por gente (soft) de oposição. O que já não compreendo e que se me afigura uma autêntica quadratura do círculo é a de “conselheiro” oriundo da oposição. Um conselheiro tem associado uma forte componente política de sintonia não só de carácter ideológico como de meios, metas e objectivos com o aconselhado. A menos que as políticas para esse sector sejam rigorosamente as mesmas do governo anterior.

Mas o que me faz mesmo impressão e, como se costuma dizer, me tira do sério, é a cena de vitimização dos quadros do PAICV quando afastados. Depois de quinze anos a partidarizar toda a administração do Estado, no que é publicamente confirmado pelo seu próprio chefe, dizem-se agora perseguidos porque foram afastados, substituídos. Imagine-se, PERSEGUIDOS! A obsessão de que são os donos da terra e que só eles poderão governar, não os deixa ver de que hoje são OPOSIÇÃO e que este governo tem toda a legitimidade para fazer as mudanças que entender no quadro da lei e a coberto do voto popular. Mas a cena de vitimização tem de facto outro propósito: a de condicionar, intimidar o MpD e o seu Governo a não ir mais longe do que a simples substituição. A não denunciar as irregularidades, e os eventuais crimes existentes e praticados na sua gestão.

Pois bem, o Governo nada tem a temer com as suas mudanças e tem a obrigação de informar a população do estado de cada sector e agir em conformidade (sob pena de cumplicidade) para a sua salvaguarda e para a defesa do erário. Os gestores nomeados não têm que se envergonhar em ser MpD ou seu simpatizante, tomando atitudes gratuitas e folclóricas porque não é isto que caracteriza uma gestão, mas assumi-lo (o MpD) firmemente quando for necessário. Noblesse oblige!

    A. Ferreira

1 comentários:

Adriano Miranda Lima disse...

Esta análise do Armindo Ferreira é intocável em todos os pontos sobre os quais se debruça. Aplica-se ao actual momento cabo-verdiano assim como se aplica a outras situações em que a democracia muitas vezes se emaranha em equívocos e tibiezas.
“Para termos os votos que tivemos, muitos paicvistas terão votado em nós.” De facto, quem assim afirmou embarca num juízo completamente errado, conforme explica o autor. Há uma fatia enorme do eleitorado que exprime o seu voto sem que por isso esteja conscientemente identificado com este ou aquele partido. É tão errado chamar "paicvistas" a todos os que votam PAICV como "mpdistas" a todos os que votam MpD. Grande parte das vezes trata-se de gente sem formação política sequer para assumir uma fidelização. Aliás, em todo o lado existe essa faixa importante dos votos flutuantes.
Em particular, concordando inteiramente, só pode causar repúdio quem aceite um importante cargo público sob uma orientação política contrária às suas convicções.

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